segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Caminhão de cana se transforma em "vilão" das rodovias

Folha de S. Paulo - Ribeirão
Com excesso de peso, veículos usam acessos ilegais, trafegam em baixa velocidade e provocam acidentes. Dados da Autovias apontam que índice de letalidade é de 8,1% nos acidentes envolvendo caminhões de cana
LEANDRO MARTINS
DE RIBEIRÃO PRETO
     Excesso de carga, uso de acessos ilegais às rodovias, baixa velocidade em razão do peso e motoristas ao volante por longos períodos de trabalho. As reclamações referentes aos caminhões canavieiros são proporcionais aos problemas causados.

     Na última terça, mais uma vítima engrossou a lista de mortos em acidentes com caminhões canavieiros.
     O motorista João Evangelista da Silva Filho, 35, teve seu carro atingido de frente por um veículo desse tipo na rodovia Ângelo Scarelli, em Morro Agudo.
     Antes dele, ao menos outros 11 já haviam morrido em acidentes com caminhões canavieiros neste ano, conforme levantamento da Folha.
     Os acidentes envolvendo caminhões que transportam cana-de-açúcar, aliás, têm uma taxa de letalidade bem maior do que nos demais casos, afirma a Autovias.
     A concessionária, que administra um trecho da rodovia Anhanguera -uma das principais do país- e outras quatro estradas da região, contabilizou sete mortes em 86 acidentes com caminhões canavieiros em sua malha neste ano, um índice de letalidade de 8,1%. Os demais acidentes, embora em volume maior (6.711), tiveram mortes em 2,4% dos casos.
     A velocidade baixa dos caminhões canavieiros é um dos motivos que agravam os acidentes com esses veículos, na avaliação do engenheiro Coca Ferraz, da USP de São Carlos.
     "Esses caminhões têm uma estrutura reforçada e, como quase sempre transitam em velocidades muito baixas, quando há um choque a velocidade relativa é muito maior", disse. A batida é quase proporcional ao choque contra um muro resistente, segundo Ferraz.
     O volume de cana carregado pelos caminhões é o responsável pela velocidade baixa. De acordo com o caminhoneiro José Alcione da Silva, 60, há 37 anos na condução de canavieiros -e sem nenhum acidente no período, segundo diz-, o caminhão chega a 10 km/h em subidas mais íngremes.
     Pela legislação de trânsito, a velocidade mínima que um veículo deve trafegar é sempre a metade da máxima do trecho. A dificuldade, no entanto, é avaliar se a regra está sendo cumprida.
     "Não temos um aparelho para aferir [a baixa velocidade]", afirmou o tenente Luiz Eduardo Ulian Junqueira, comandante do 1º Pelotão da Polícia Militar Rodoviária de Ribeirão. Segundo ele, as blitze acabam focando no excesso de peso, o que causa a velocidade muito baixa.
     Outro ponto considerado por especialistas como agravante da situação é a jornada de trabalho excessiva dos caminhoneiros.
     Como a maioria é de terceirizados, que prestam serviços para as usinas e ganham por produtividade, o caminhão precisa circular durante dia e noite.
     A Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar) disse entender que o problema é isolado e que não afeta o setor de maneira ampla.
Especialista propõe banir os treminhões     Para professor da USP, benefícios econômicos dos caminhões são menores que os malefícios nas estradas
     Volume transportado pelos caminhões chega a provocar estragos em pontes e viadutos, afirma concessionária
     Os treminhões foram criados com o objetivo de transportar mais cana e, com isso, baratear os custos com transporte e agilizar a movimentação do produto. Esses benefícios, porém, já são menores dos que os malefícios causados pelos "gigantes" canavieiros nas estradas.
     A opinião é do engenheiro Coca Ferraz, coordenador do Nest (Núcleo de Estudos de Segurança no Trânsito), da USP de São Carlos. Para ele, trata-se de uma "aberração" permitir que treminhões trafeguem nas rodovias.
     "Para a sociedade, o treminhão tem um custo maior do que o benefício de reduzir o gasto com transporte."
     O diretor-superintendente da Autovias, Angelo Rizzieri de Souza Ferreira, disse que, no caso da concessionária, as irregularidades cometidas pelos caminhões canavieiros também representam custo extra nos investimentos feitos na malha viária.
     O volume de cana carregado pelos caminhões chega a danificar estruturas de pontes e viadutos, atingidos pelo excesso de carga de caminhões que passam por baixo dos trevos, segundo ele.\
     A situação poderia ser resolvida com a instalação de "pórticos de sacrifício" nas saídas dos canaviais, estruturas que limitassem a altura da cana carregada.
     Outros problemas apontados pela concessionária são a cana derrubada pelos caminhões nos acostamentos e a lama trazida do canavial, que pode tornar a pista escorregadia em dias de chuva.
     Sobre o excesso de carga, o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) também reconhece que tem crescido a constatação do problema, sendo que, algumas vezes, o caminhão de cana é flagrado com peso até duas vezes maior que o autorizado.
Rodovias têm 180 acessos irregulares      Outro problema causado por caminhões canavieiros em rodovias, afirma a Autovias, é a abertura de acessos irregulares na saída de canaviais.
     Segundo a concessionária, nas cinco rodovias administradas por ela há 191 acessos canavieiros. Desses, só 11 são autorizados. Os outros 180, ou 94% dos acessos, são irregulares.
     Ângelo Rizzieri Ferreira, diretor-superintendente da Autovias, disse que, como esses acessos não foram projetados de forma correta, cresce a possibilidade de acidentes durante as manobras de acesso dos treminhões às rodovias.
     Além disso, a concessionária refaz 5.500 m de cercas danificadas em média.

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